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Theodore Dalrymple

Lixo

Os leitores de Theodore Dalrymple já o viram comentar inúmeros temas da vida cotidiana: das tatuagens ao vocabulário politicamente correto, do hábito da leitura às maneiras de educar as crianças. Os vários best-sellers desse autor comprovam a sua habilidade em identificar — seja no discurso político, na produção artística e intelectual ou nos costumes mais prosaicos — certas tendências de comportamento em nossa época. O padrão que sempre se confirma, e é por ele criticado, é que formamos uma cultura sentimentalista e cínica; já quase não podemos suportar o valor da responsabilidade individual. Neste novo livro, o diagnóstico se repete a partir da observação de um fenômeno que é aparentemente banal: o costume de poluirmos as ruas com tanto lixo, descartando em qualquer lugar os detritos do que consumimos. Por trás dessa prática, o ensaísta e psiquiatra reconhece uma grande cadeia de distorções. Para começar, a maior parte do lixo consiste em embalagens plásticas de bebidas e salgadinhos industrialmente processados — junk food ou, literalmente, “comida lixo”. Em segundo lugar, as embalagens dos alimentos são descartadas na rua porque é nela que a maioria das pessoas os consome. Na Inglaterra, a ideia de fast food ganhou um novo dado: os lanches não apenas são feitos rapidamente, mas também são consumidos às pressas, na rua mesmo, enquanto se anda.
Qual é o problema? Theodore Dalrymple observa sem rodeios: o momento da refeição como oportunidade de convívio social é o que confere civilidade ao ato de se alimentar e, quando o reduzimos a um momento de suprir uma necessidade ou de realizar um desejo, passamos a nos comportar como predadores na savana. Se as ruas se tornaram o palco dessa degradação, isto é assim porque as casas deixaram de ser um ambiente em que se aprendem os valores civilizacionais. Poucos são os lares que mantêm o costume de reunir a família à mesa, e muitos os que abriram mão do hábito de cozinhar em favor da praticidade de aquecer comidas prontas no micro-ondas. A pobreza do gosto e a preguiça reforçam-se mutuamente. Por acaso esta constatação parece só o resmungo de um crítico rabugento? Na verdade se trata de algo mais sério e interessante. Como o autor expressa: «a dieta é a metonímia de um estilo de vida». Na origem daqueles traços de comportamento, o Dr. Dalrymple encontra problemas estruturais da cultura moderna. A mesma superficialidade com que encaramos a comida é o modo como lidamos com os relacionamentos interpessoais. A mesma supremacia dos desejos instantâneos é o que ensinamos às crianças, que por isso se tornam adultos emocionalmente frágeis e mimados.
As memórias do psiquiatra e seu humor sarcástico não deixam de comparecer no livro. Nessas passagens, o brilhantismo se une à agudeza do crítico social. Dalrymple mostra como as crianças (des)educadas no interior de uma tal cultura se tornam adultos lamentáveis, tais como alguns que ele conheceu enquanto trabalhava em prisões. Havia presidiários que lhe exigiam a prescrição de algum remédio e, se por acaso ele não encontrasse motivo para tanto, a reação era de espanto: «Não! Como assim, não?» — o detento exclamava, “como se ouvisse a palavra pela primeira vez na vida”. Até a perda do senso de responsabilidade individual — um dos diagnósticos culturais mais frequentes nos livros de Dalrymple — apresenta algum vínculo com o costume de descartar lixo em qualquer lugar. Uma vez que as pessoas que o fazem se comportam assim para atender aos seus impulsos, sem se importar com os compromissos sociais, tais indivíduos estão na prática renunciando à capacidade de se autoconter e de tomar decisões. Deste modo, quando um cidadão descarta seu lixo em qualquer lugar pensando que limpar a sujeira é problema de outras pessoas, o que ele faz na verdade é ignorar os seus próprios problemas.
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